Utopia
Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente,
de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de
ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e
subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade.
Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado,
reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa
abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagüi ou
com o vestido de baile. E o suprarrealismo, justificado espiritualmente, será
uma chave para o mundo.
Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por
si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da
terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura
nem de suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de
preferência postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na
atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço
do entendimento afetuoso. A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos
que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição nem
pretensão, celebrando o Advento.
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