Uma vez, num belo início de verão, o céu muito azul, fui ao enterro de um velho garçom do Bar Progresso, na São Paulo dos anos 60. Naquele dia, logo ao levantar, fui avisado pelo meu amigo Hélio, por telefone, do fim do nosso bom e paciente amigo. Combinamos de ir ao enterro naquela mesma tarde, como um gesto de carinho ao homem que aturava nossos excessos há muitos anos. No cemitério, depois dos cumprimentos à viúva, filhos e netos, caminhamos entre os túmulos, lendo alguns nomes e epitáfios, e vendo as fotos, descoloridas pelo tempo, de pessoas que ali jaziam.
Aproveitando o cenário, falamos sobre a morte, não de maneira mórbida, mas com naturalidade. De volta para casa, continuei pensando nela, na “dama branca” de Manuel Bandeira, lembrando que a minha mãe, quando alguém morria, dizia: “Foi para Deus”. Não necessariamente diante da morte de um parente, um amigo, um vizinho, mas de uma pessoa qualquer: “Foi para Deus”. Não me lembro de ter ouvido de mais ninguém essa expressão tão carregada de religiosidade. Como já devo ter contado nesta última página da Vejinha, minha mãe não pronunciava as palavras “desgraçado” e “maldito”. Dizia ter medo delas e nos censurava — a mim e aos meus irmãos — se as usássemos. Outra palavra da qual ela não gostava era “azar”, que substituía por “falta de sorte”. E obviamente, como todo mundo, não falava câncer, mas “aquela doença”.
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Vale a pena para refletir sobre a dificuldade, ainda presente nos dias de hoje, de se pronunciar determinados significantes que fazem referência à morte. Fatima Geovanini
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